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Negro chamado de "doutor"...! Que absurdo!

Por Psicólogo André Souza em 19/09/2019 às 01:02:04

"Dr. André"

Academicamente, doutor é aquela pessoa que cursou um tipo de pós-graduação, denominado de doutorado. Mas é costume no dia a dia, no senso comum, chamar alguns profissionais de "doutores". Mas quando essa denominação se refere aos negros, é um absurdo! Assim, este texto, escrito em 1ª e 3ª pessoa, traz algumas experiências vividas por mim e por outros negros, assim como, analisa a escravidão no Brasil e outras coisas.

ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Os primeiros africanos, escravos, foram forçados a vir ao Brasil na década de 1550.  Desde o século XV, os portugueses compravam negros para escravizá-los. Com a colonização, esse comércio foi aberto para os colonos instalados no país... Quais foram os principais motivos para a escravidão brasileira? Necessidade de mão de obra em grande escala, lucros altos para os "comerciantes" de negros e índios e impostos sobre essa atividade.

Por mais de 300 anos, aproximadamente 4,8 milhões de negros foram obrigados a desembarcar no Brasil e se tornando mercadorias, vendidos como "objetos". O trabalho africano se concentrava mais nas lavouras. O trabalho era muito cansativo e perigoso. Nas moendas, era bem comum a perda de mãos ou braços. Nas fornalhas e caldeiras, as queimaduras eram comuns. Nessa última etapa, o trabalho era tão pesado que os escravos utilizados nela, geralmente, eram os mais rebeldes.

Os castigos não eram diários. Eram açoites, imobilização no tronco, marcas a ferro quente, esmagamento de dedos, corte de orelhas. Esse tratamento era mais violento na lavoura. Além do trabalho, quais eram os principais motivos para isso? Os senhores exigiam obediência, disciplina, respeito às leis, fidelidade, humildade e aceitação aos valores brancos, incluindo a religião cristã.

Muitos escravos não aceitaram a escravização e os castigos passivamente. Resistiram de várias formas: desobediência, fugas, revoltas, formação de quilombos, etc.

O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, que ocorreu via a Lei Áurea, aprovada pelo Senado e assinada pela regente do Brasil, a "Princesa Isabel", em 13 de maio de 1888. Essa "liberdade" foi um avanço, mas os negros continuaram sendo discriminados, objetos de preconceito e tiveram poucas oportunidades de trabalho e estudo. Essa realidade, mesmo havendo evolução positiva, se estendeu até os dias de hoje.

Em 2018, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou uma pesquisa sobre a desigualdade entre negros e brancos.

A PNAD Contínua de 2017 mostra que há forte desigualdade na renda média do trabalho: R$ 1.570 para negros, R$ 1.606 para pardos e R$ 2.814 para brancos.

O desemprego também é fator de desigualdade: a PNAD Contínua do 3º trimestre de 2018 registrou um desemprego mais alto entre pardos (13,8%) e pretos (14,6%) do que na média da população (11,9%).

Dados também da PNAD só que mais antigos, de 2015, mostram que apesar dos negros e pardos representarem 54% da população na época, a sua participação no grupo dos 10% mais pobres era muito maior: 75%.

Já no grupo do 1% mais rico da população, a porcentagem de negros e pardos era de apenas 17,8%. Veja no gráfico:


Dados também de 2015 mostram outra diferença: a informalidade atingia 48,3% da população negra contra 34,2% da população branca.

Educação

A taxa de analfabetismo é mais que o dobro entre pretos e pardos (9,9%) do que entre brancos (4,2%), de acordo com a PNAD Contínua de 2016.

Quando se fala no acesso ao ensino superior, a coisa se inverte: de acordo com a PNAD Contínua de 2017, a porcentagem de brancos com 25 anos ou mais que tem ensino superior completo é de 22,9%. É mais que o dobro da porcentagem de pretos e pardos com diploma: 9,3%.

Já a média de anos de estudo para pessoas de 15 anos ou mais é de 8,7 anos para pretos e pardos e de 10,3 anos para brancos.

      Fonte: https://exame.abril.com.br/brasil/os-dados-que-mostram-a-desigualdade-entre-brancos-e-negros-no-brasil/

Além dessa desigualdade financeira entre as raças brancas e negras, existe a imagem negativa que ficou desde a Lei a Áurea. O negro também simboliza pobreza, atraso, exclusão, beleza fora do padrão, etc. Exemplos reais comprovam a afirmação deste parágrafo. 

EXPERIÊNCIAS DE DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO

1- Eu, autor deste texto, quando adentrei à Faculdade de Psicologia (meu 3º curso de graduação) da Pitágoras de Teixeira de Freitas - BA, em Setembro de 2018, fui discriminado, sutilmente, por apenas ter o nome, [email protected], exposto no meu perfil do Whatasapp.

Numa aula, o professor falou que o psicólogo que não tem doutorado não é doutor. Daí, alguns se referiram a mim de forma negativa. Afirmaram que eu não poderia ser denominado de doutor porque eu não fiz doutorado. Essa discussão se estendeu até á área externa da sala onde eu discutir com um colega que falava sobre mim. Depois ele me pediu desculpas (ver imagens 1 e 2).   

Imagem 1

Imagem 2
Essa abordagem da turma foi completamente "recheada" de discriminação e preconceito racial, e até hoje, ainda existem indiretas. Por quê?

De fato, doutor, tecnicamente, é atribuído àquele que cursou doutorado. Mas, por tradição, alguns profissionais de algumas áreas de "status" são chamados de doutores, como por exemplos, médicos, dentistas, fisioterapeutas, advogados, psicólogos, psicanalistas, nutricionistas, etc. Por isso, muitos quando fazem "cartões de visitas", assinam como "Dr. Virou um costume, que é aceito no meio profissional.

Quando trabalhei como psicanalista na Policlínica e outras clinicas de Itamaraju e Porto Seguro, todos os funcionários me chamavam de doutor, como chamavam os médicos, os fisioterapeutas, os psicólogos, etc. Daí me acostumei ao termo, mas me apresentando como André Luiz. Neste site, tem "Dr. André", pois está há anos. Deixei. E qual é o problema? No final do texto, assino como André Luiz... Meus pacientes me chamam de dr. sem a minha autodenominação (ver imagens 3 e 4 - diálogos entre mim e uma ex-paciente que depois costurou para mim).

Imagem 3

Imagem 4

Quando fui criar a minha conta no hotmail, já existiam diversas contas com o nome André. Tentei vários nomes, e nada. Daí, coloquei [email protected], por já ser chamado pelos outros, como muitos que não possuem doutorado fazem.

No início do curso existia um aluno, advogado (saiu) que era intitulado de doutor e ninguém implicou com ele. Atualmente, tem um colega que é médico. Alguns o chamam de dr., inclusive. Além disso, eu não sou psicólogo, sim, psicanalista, que, legalmente, não está vinculado ao CRP.

Os citados no parágrafo anterior não possuem doutorado, mas são brancos, e eu, negro. Essa é a diferença. Ou seja, um "afrodescendente" não tem direito a um costume de ser chamado nem de se intitular de doutor. 

2- Em 16 de Agosto de 2019, eu fui a uma distribuidora de doces (Itamaraju) e outros para comprar pé de moleque. Ao chegar na seção havia um grupo de mulheres brancas sem ninguém as atendendo. Um funcionário se dirigiu a mim, me perguntando se eu precisava de ajuda. Falei que não e que queria escolher sozinho. O vendedor, simplesmente ficou próximo a mim, me vigiando.

Por quê? Sou negro. Por que as mulheres estavam sozinhas fazendo compras? Eram brancas e não tinham "caras que iriam roubar". E o mais intrigante é que eu estava me vestindo dentro do padrão... Isto mostra a minha imagem negativa por ser negro, que nem superou as minhas roupas.  

3- O ator Diogo Cintra, de 24 anos, negro, disse que foi abordado por assaltantes que pediram para que ele entregasse o celular e dinheiro. Por isso, ele correu para o Terminal Parque Dom Pedro II, no Centro de São Paulo, para pedi ajuda aos vigilantes do local, em 15/11/2017. Os bandidos, brancos, o seguiram até o ambiente, e diante dos seguranças, disseram que foi o Diogo que os roubou. Os vigilantes não confiaram na palavra do ator, sim, dos "algozes", pedindo que o Diogo entregasse o celular. Depois, com a autorização dos "guardas", os "meliantes" o levaram para fora da estação, bateram com as mãos e pau, chutaram. Ainda foi mordido pelos cachorros até quando conseguiu se levantar e correr novamente, se adentrando ao terminal.

Por que os vigilantes não averiguaram o caso? Por que acreditaram nos bandidos? Porque a vitima era negro e tinha "cara de bandido".

4- Em 07 de agosto de 2009, Januário Alves de Santana, 39 anos, funcionário da USP, negro, foi acusado de roubar seu próprio carro, um EcoSport da Ford, no estacionamento do Hipermercado Carrefour.  A sua esposa, um filho, a irmã e o cunhado foram fazer compras. Ele ficou no automóvel. Apenas pelo fato de ele estar num "carro bonito", 5 seguranças o espancaram, por 15 a 20 minutos, sem ter averiguado nada. 

Por que os "guardas" não investigaram o caso? Por que não olharam o documento do carro e de Januário?  Porque era negro e tinha a "imagem de ladrão".

5- Em março de 2015, no estacionamento da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), campus do bairro São Pedro, Belo Horizonte, o universitário Pedro Henrique Afonso, de 24 anos, negro, estava tentando abrir o seu carro. Daí foi abordado por policiais militares por suspeita de furtar seu próprio automóvel. O estudante falou que o carro era dele e que era trabalhador. Os policiais com armas em punho, falaram, "Mão na cabeça, vagabundo. E cala a boca". Pedro ainda foi acusado de desacato a autoridade policial.

Por que os representantes da justiça não olharam o documento do carro e do estudante?  Porque era negro e tinha "cara" de "vagabundo". Este termo foi dito por um dos policiais.

Conclui-se que, quem é negro sofre discriminação e é objeto de preconceito por ter uma imagem enraizada na história, quando era escravo, mercadoria, vendido, castigado e visto como "animal irracional".

Fontes consultadas:

Escravidão no Brasil

https://brasilescola.uol.com.br/historiab/escravidao-no-brasil.htm  

PARA UMA HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL

http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon1104317/icon1104317.pdf  

Duas fontes documentais para o estudo dos preços dos escravos no Vale do Paraíba paulista

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000300012

A COISIFICAÇÃO DO ESCRAVO

http://static.recantodasletras.com.br/arquivos/147393.pdf  

Jovem negro é assaltado, 'visto' como ladrão e espancado no centro de SP

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/11/1936452-jovem-negro-e-assaltado-visto-como-ladrao-e-espancado-no-centro-de-sp.shtml  

Jovem negro é preso, suspeito de tentar roubar o próprio carro

https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=Iu71l0QZLhU  

Jovem pode ser processado após ser suspeito de 'roubar o próprio carro'

http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/04/oab-mg-questiona-corregedoria-da-pm-por-suposta-abordagem-racista.html  

Cliente apanha acusado de tentar roubar o próprio carro

https://www.estadao.com.br/noticias/geral,cliente-apanha-acusado-de-tentar-roubar-o-proprio-carro,421229

Status E Papel Social

https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/status-papel-social.htm  

OS PAPÉIS SOCIAIS NA FORMAÇÃO DO CENÁRIO SOCIAL E DA IDENTIDADE https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/Ospapeissociaisnaformacao.pdf  

Latinidades: padrão de beleza é predominantemente branco, diz professora dos EUA

http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-07/beleza-negra-e-uma-questao-politica-para-professora-yaba-blay  

Quem é doutor?

http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&id=20297:quem  

É errado chamar médico e advogado de doutor?

https://super.abril.com.br/mundo-estranho/e-errado-chamar-medico-e-advogado-de-doutor/  

Os dados que mostram a desigualdade entre brancos e negros no Brasil

https://exame.abril.com.br/brasil/os-dados-que-mostram-a-desigualdade-entre-brancos-e-negros-no-brasil/  

Por André Luiz Alves de Souza

Psicanalista (Atendimento em clinica e online: 73 3294.3505; 99973.6482).

Professor concursado (Prefeitura de Itamaraju).

Psicopedagogo.

Licenciado em Filosofia; bacharelado em Filosofia (3 matérias trancadas).

Formação Clinica em Psicanálise.

Pós-graduado em Psicopedagoga.

Já foi professor da UNEB (Plataforma Freire), FACISA. e FACETE

Licenciatura incompleta em Matemática.

Estudando Psicologia na Faculdade Pitágoras de Teixeira de Freitas.

Críticas, sugestões de temas, títulos e assuntos: [email protected].